É com muita alegria que a AEA-PR divulga as crônicas vencedoras do Concurso Cultural da AEA-PR. Criado com o objetivo de despertar a inspiração na escrita no período de isolamento social, o evento recebeu 26 trabalhos enviados por associados de todo estado.

Os textos de até uma página, que deveriam começar com a frase “Hoje acordei e…”, foram avaliados pelo professor Orlando Stolf, que se baseou nos critérios: Criatividade,originalidade, conteúdo e correção gramatical. “Parabenizamos a todos os participantes que com seus pensamentos próprios transformarem palavras em sentimentos”, diz Célia Bittencourt, diretora de lazer da AEA-PR.

A AEA-PR oferecerá os seguintes prêmios aos vencedores: O primeiro classificado receberá o valor de R$ 300,00, o segundo classificado R$ 200,00 e o terceiro classificado R$ 100,00.

Abaixo os vencedores os textos enviados:

1º lugar – Casa Nova – de Plenilunica

2º lugar – Maturidade e Plenitude – de Gotinha de Orvalho

3º lugar – Um dos três – de Dona Cice

Confira abaixo os textos:

CASA NOVA

de Plenilunica

Hoje acordei e não me lembrava exatamente onde estava. Comecei a pensar em fatos, que poderiam ser um sonho, ou poderiam ser reais, mas o quarto muito, muito escuro, não me dava pistas. Os quartos escuros permitem imaginar. Gosto de criar histórias e as vivenciar em minha mente, mas por vezes, quando dou por mim, eram planos. Planos que efetivamente coloco em prática. Os amigos me reconhecem por isto. 

– “Humm, ela está com cara de quem vai aprontar alguma”, dizem…

Mas, capaz, eu não ‘apronto’, apenas sigo meus planos. Pois muito bem, acordei assim no quarto escuro e Mas lá estava eu sem saber direito onde estava. Pensei num quarto de hotel, mas qual, em plena pandemia? Não! A ausência de luz poderia apenas significar que ainda não havia amanhecido. Consultei o celular. De fato ainda era madrugada e a luz do celular me permitiu divisar por instantes quinas e quadros já conhecidos. Sim eu estava em casa.

Continuei ali deitada, com menos vontade de me levantar do que de voltar à minha história mental. E imaginei que eu pudesse estar em uma outra casa, maior que a minha, onde haveria um terraço com muito sol, tudo muito arrumado e bonito, como eu sempre havia querido, mas que em muitos momentos eu não tinha nem a possibilidade de sonhar, quanto mais a sorte de ter. 

Ter. Sempre apreciei muito mais as propriedades virtuosas, os vínculos que encantam a vida, como a amizade. Como disse o filósofo Cícero, só quem é demente pode prescindir da amizade. Mas confesso que a beleza das propriedades materiais não menos me encantam. 

Mas pensei que isto não teria sido possível no curso de uma pandemia, então, sim, tratava-se de um sonho. Nele eu vi dezenas de pessoas trabalhando, instalando, ajustando, decorando, e eu, sempre muito atrapalhada e preocupada, com máscaras, álcoois, distâncias regulamentares, hospitais de campanha, mortes, remédios que funcionam ou que não funcionam, medidas preventivas, assiste às notícias, não assiste às notícias, ausência dos amigos, lives com os amigos, família…

Família… Todos distantes. Eu, já habituada a um viver solitário, ainda assim me ressinto. A saudade vai diminuindo, me disseram, mas não, só aumenta. Abismo, caindo, caindo, parece que nunca acaba… Quando Acaba? Como acaba? Vacina? Talvez… Tantos planos adiados, desfeitos, esperanças vãs…

Quando voltei a pensar na casa, pensei em tudo lindinho como eu gosto. Lugar para receber os amigos, quarto de hóspedes, muito espaço… Meus netos dizem que sou determinada. Vai que… Vai que eu esteja mesmo em outro lugar que não aquele apartamentozinho lá longe? 

Pensamento ziguezagueia aleatoriamente como uma mosca que embora busque algo muito específico, faz grandes voltas propositais, aproxima e afasta… Mas é bem hora de me levantar, já que estou aqui ‘cozinhando um galo’ há nem sei quanto tempo. Se diz assim, no interior, quando não se está fazendo nada: cozinhar um galo velho, bicho duro como ferro…

Mas vamos ver onde, de fato eu estou. Abro a porta do quarto, muita luz me avisa que já não é tão cedo. Parece que entre ao tumulto geral, vozes, ordens, palpites, aflição, dúvidas e conjecturas, eu fiz. Eu fiz!Lá minha casa nova. Fiquei ali olhando os detalhes, a ausência de necessidades e de lágrimas. Finalmente, minhas aspirações encontraram eco. Alguém já disse que “para o falcão pousar, é preciso que o ninho esteja preparado”. O ninho está pronto. Agora apenas espero o momento de receber minha ninhada…
PLENILUNICA

Maturidade e Plenitude

de Gotinha de Orvalho

Hoje acordei e agradeci por nesta noite ter mergulhado em um sono gostoso, ter
viajado no tempo nos meus sonhos e, sobretudo, acordado bem disposta.
Uma página em branco da história da minha vida será escrita neste dia e farei meu
melhor para que seja produtiva, divertida, desafiadora e iluminada pela luz da
sabedoria aprendida e desenvolvida nestes sessenta anos.
O delicioso cheirinho de café envolve minha casa; a luz do sol desta manhã de agosto
de dois mil e vinte invade todos os espaços e abro as janelas para o ar fresco entrar e
purificar o ambiente.
Abro o portãozinho porque meus cachorros estão ansiosos para correr no jardim,
enquanto isso, observo a transparência cristalina das gotas de orvalho que se
formaram sobre minha roseira grená.
O casal de sabiás, felizes, preparando seu ninho, cantam como em nenhuma outra
época do ano; é um privilégio terem escolhido abrigar-se nos galhos do meu pé de ipê
amarelo.
Respiro profundamente e, em plenitude, agradeço ao Criador mais este presente,
gratuito e generoso, a dádiva da vida.
Estou aposentada e já não tenho a pressa alucinada que orientou minha vida enquanto
esposa, mãe, dona de casa e profissional da CAIXA.
Agora posso me dar ao luxo de desfrutar os benefícios de ter tempo para organizar e
executar minhas atividades, desempenhando diferentes papéis de forma equilibrada e
consciente, e ainda, deliciosamente, ler, exercitar-me e brincar com meus netinhos.
Aliás, a velha e prática receita de “Nega Maluca” foi incrementada e substituída por
novas receitas de bolo de chocolate recheados com cereja e ganache ou a fruta da
hora.
Aquelas viagens e passeios atropelados, restritos ao período de férias do trabalho,
agora poderão ser planejadas e realizadas sem correria.
Aprendi o significado da palavra “live”, assisti várias e gostei muito desse novo formato
de interação e sinergia que veio para amenizar a tristeza da ausência do abraço físico,
nestes tempos duríssimos de distanciamento social forçado pelo assustador
Coronavírus.
E assim o dia vai passando… ainda no final da tarde vou participar e rever os colegas
aposentados da AEA, na aula de Inglês online e ainda dar uma olhada no movimento
do WhatsApp e do Facebook.
Nesta fase da vida tenho aprofundado minha espiritualidade, mergulhado no silêncio,
agradecendo, alimentando e revitalizando minha alma com reflexões que me trazem
leveza e paz.
Observo o voo agitado dos passarinhos em busca de um lugar seguro nas árvores para
passar a noite fria que se aproxima e sinto a alegria de me despedir de um dia repleto
de atividades, descobertas e recordações.
A luz dourada do pôr do sol silenciosamente ilumina o final da tarde e as primeiras
estrelinhas brilham no céu anunciando que vivi intensamente mais um dia da minha
vida, naturalmente com seus desafios, mas agora, é hora de relaxar!

Maturidade e Plenitude

Um dos três
Pseudônimo: Dona Cice


Hoje acordei e ntre sacos e caixas e sacolas de coisas que estavam no sótão de casa. Pandemia
dá nisso: mexer no que está quieto e arranjar trabalho braçal.
Bem, os sacos, pacotes e caixas retiradas do sepulcro do sótão precisavam de um destino e o
meu quarto não era local adequado.
Decisão difícil separar-se de coisas que fazem parte da história de vida da gente.
As caixas com os brinquedos das crianças (crianças que já têm as suas próprias crianças, diga-
se de passagem), vou colocar na garagem para que cada filha dê o fim certo.
As roupas que não servem e nunca servirão, vão para a ONG das favelas. Ciúmes…
E, o que é esse enorme saco preto? O cérebro envelhecido abriu as gavetas da memória.
Voltei, voltei no tempo.
Minha mãe chamando os filhos para arrumarem o sótão. Estava cheio de entulhos e os ratos
faziam casas e até condomínios entre as tranqueiras. Os três filhos andavam se esquivando do
trabalho há vários finais de semana.
Naquele sábado ensolarado não teve escapatória. Todos fomos convocados.
Com roupas velhas e panos amarrados na cabeça, subimos pela escada do corredor e tiramos
caixas, pacotes e sacos do lugar apertado e cheio de pó. Não levou muito tempo e o trabalho
virou festa e brincadeira. Cada caixa que saía lá de cima era motivo de muita história e risada
de perder o fôlego.
Quando a mãe passou pela escada com um cesto de vime cheio de roupas de bebê, começamos
a disputar a propriedade do objeto.
— Era meu, eu sei que era meu. Né mãe que eu dormi nesse bercinho? – A mais velha
começando.
— Claro que não, era meu. É azul. – O irmão já canta de galo, invocando a emenda que diz
não sei onde que azul é de menino.
— Nananinanão. Eu que dormi nele. Eu fui a última e ele está novinho. E eu gosto de azul. – A
pequena promotora vem em defesa das cores serem assexuadas.
A mãe divertia-se. Lembro como ela era bonita, forte e como trabalhava duro para sustentar
sozinha a família e quando chegava o final de semana inventava atividades para junto com os
filhos, divertirem-se ao mesmo tempo em que arrumavam a casa.
Meu irmão já começava a agredir verbalmente minha irmã e a discussão ficava cada vez mais
acalorada. A mãe percebeu que alguns empurrões e safanões estavam prestes a serem
desferidos. Como inteligência e criatividade não faltavam nela, logo veio a solução para dar
fim à peleja. Enquanto empilhava caixas, disse calmamente, sem nem ao menos olhar para nós:
— Lembro que esse cesto apareceu no portão de casa. Um de vocês estava dentro dele. Bem
pequenininho, todo enroladinho. Mas sabe que eu não consigo lembrar qual dos três que foi?
Hoje, muitas décadas depois, sorrio ao lembrar. No dia foi bem assustador. Não me dei
permissão para pensar nisso por uns anos, até um dia escutar minha mãe ensinando uma prima
onde era a loja em que ela havia comprado o dito “cesto”. Que alívio!
Por fim, o enorme saco preto que guarda um cesto, protagonista de uma discórdia décadas
atrás, vai para o lixo, pois está se desmanchando, afinal, tenho o mais importante nesta história:
a lembrança.