Num dia rotineiro de trabalho na AEA-PR, a chegada de uma correspondência chamou a atenção. Remetida da cidade de Londrina e escrita a mão, com caligrafia impecável, a carta relatava o problema de um associado com a operadora do seu cartão alimentação. O relato feito por ele mesmo surpreendeu – pela lucidez, clareza de expressão e detalhamento de informações prestadas – levando-se em conta os mais de 100 anos do seu autor.
Personagem famoso entre os economiários aposentados do norte do Paraná, Silfredo Kalinowski, nascido em 12 de janeiro de 1912, é indiscutivelmente um exemplo para toda classe. “Até poucos anos participava dos jantares de Confraternização da AEA em Londrina. E ao observar um problema com seus benefícios, ou uma dúvida jurídica, não hesita em nos contactar”, conta Dirceu Baldi Rosa, vice-presidente da AEA-PR.
“Acho que a AEA-PR é uma organização 100% útil. Já tive questões difíceis, entrei em contato com a associação e conseguimos resolver”, conta um dos mais antigos associados da AEA-PR. Na semana do aposentado, no mês em que completou 109 anos, Silfredo recebeu uma breve e cuidadosa visita de representantes da Associação, que lhe auxiliaram a realizar a agora obrigatória prova de vida Funcef.
O momento rendeu uma boa conversa e a oportunidade de saber mais sobre a vida desse centenário tão especial para a Caixa e inspiração para os aposentados. Pai de dois filhos, hoje com 6 netos e 2 bisnetos, o londrinense de coração nasceu em Curitiba, cidade onde começou sua carreira como economiário, no ano de 1935.
“Na minha infância, meu pai era comerciante, tinha um armazém de secos e molhados. Eu trabalhei anos no balcão, naquele tempo em que o cliente era atendido pelo caixeiro, que pegava as mercadorias. Aí, um amigo do meu pai que era delegado na Receita Federal de Curitiba conversava comigo. Ele me disse: você precisa fazer o concurso da Caixa! Eu fiz o concurso e fui o segundo colocado naquele concurso. Comecei minha carreira lá e fui ficando ficando…”, conta.
O jovem economiário trabalhou com a chefia de agências, auxiliando o setor com seus conhecimentos de contador formado. Mais tarde, foi designado a coordenar a fiscalização de agências. “Andei muito, fiscalizei agência por dois anos, passando por várias cidades. Em cada cidade que eu passava eu deixava uma namorada! A distração da época era cinema, baile e namorar. Eu digo para os meus netos que tive pelo menos 30 namoradas antes de me casar. Coisas da mocidade né? Mas depois escolhi bem para casar e não me arrependo!”, conta saudoso.
Em 1947, Silfredo foi transferido para Londrina, onde a vida tomou um rumo novo. Além da família que lá formou, descobriu os caminhos do cultivo da terra. Ainda na ativa, começou a investir na lavoura, nos tempos áureos do café. “Os primeiros quatro anos de porcenteiro foram para a formação do café. No quinto ano, lembro ainda do café sendo colhido armazenado e pesado. Quando eu finalizei a primeira safra foi uma coisa fora do comum. Era mais do que consegui juntar em quase dez anos de Caixa!”, relembra.
Depois de quase 35 anos de trabalho como economiário, ele se aposentou e uma nova etapa da vida começou. “Eu não tive esse problema do medo de me aposentar. Deixei a Caixa e pude me dedicar ainda mais ao café. Toda semana, eu pegava meu jipinho e ia pra lavoura. Eram 120 km até o sítio em Bom Sucesso”, comentou. E pra quem acha que parou por aí a vida do “aposentado”, ele mostra que sempre é possível se manter em movimento e contribuir com a comunidade. Nas décadas seguintes, adquiriu novos lotes, foi um dos fundadores do Sindicato Rural de Londrina e da Sociedade Rural do Paraná.
Hoje, a vida é mais mansa, mas Silfredo Kalinowski não se aquieta. Mesmo dentro de casa encontra meios de manter a mente ativa. “Até hoje, parece mentira, mas eu sempre invento alguma coisa. Esses tempos, meu despertador ficava caindo da cabeceira. E pensei, pensei… achei uma cordinha e inventei um jeito de amarrá-lo. E ele não caiu mais!”, contou enquanto ria, com alegria de quem celebra as singelezas do cotidiano.
2020 foi um ano atípico e drástico para muitos. Para Silfredo, que vivenciou a gripe espanhola, diversas crises sociais e políticas, ditaduras e algumas guerras, esse não foi exatamente o pior de todos anos. “Vocês são muito jovens para imaginar…”, afirma o centenário. De acordo com seu filho, Luiz Fernando, a redução das vivências sociais e a interrupção de tratamentos de saúde impactaram a disposição e a saúde do pai, mas não o desanimaram.
“Ele é do tipo que não se empolga e nem se frustra demais. Não guarda mágoas ou fica reclamando das situações. Ele mantém uma serenidade, sabe que tudo passa e segue com vontade de viver e superar os desafios. Às vezes, é até difícil de acompanhá-lo. Essa positividade é uma marca dele, senão não estaria aí, né?”, conta o filho.
Diante de tantos relatos é natural que a gente se pergunte: Qual o segredo para viver tão bem e chegar aos quase 110 anos com essa leveza e lucidez? Além do exercício de se manter ativo independente da idade, Silfredo revela a sabedoria de quem reconhece o valor da fé E da importância de viver, sem grandes expectativas, um dia de cada vez.
“Vocês sabem quantos anos a pessoa mais velha do mundo tem? Eu estou entre os campeões! Sabe qual é o segredo? Todo ano no meu aniversário, quando eu levanto, eu ponho o pé no chão e peço a Deus: Posso viver mais um ano?Se eu pedisse dez, será que ele daria? Por isso, eu peço só um!”, recomenda. E com essa calma e bom humor ainda completa, revelando sua apreciação pela vida: “Se eu fosse Deus, essa coisa de morrer com 100 anos no meu entender não estaria certo. Temos que viver mais tempo! No mínimo uns 200 anos, vocês não acham?”.