O legado cultural dos negros para o Brasil é inegável, mas o racismo ainda é motivo de preocupação no país.  A luta para superá-lo passa pelo respeito e pelo reconhecimento.

Nesta segunda-feira, 20 de novembro, foi celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, no Brasil. Ao longo de todo mês, em diversas cidades do país, há programações culturais e discussões voltadas à valorização dos negros e sobre as heranças culturais por eles deixadas.

Na gastronomia, na música, na literatura, nas artes em geral e na religiosidade são muitas as contribuições dos negros. O que seria do Brasil sem o samba?  Como falar de literatura brasileira sem citar um dos seus maiores escritores, Machado de Assis, ou Mário de Andrade? Na arte barroca, e em belíssimas construções do período colonial, aí também está o legado e as mãos de afrodescendentes.

Entre os contemporâneos, um nome paranaense se destaca: Waltel Branco, irmão do colega da AEA-PR, Ivo Branco.  Waltel Branco nasceu em Paranaguá e foi reconhecido em todo o mundo como maestro, arranjador e instrumentista. Nos Estados Unidos foi um ousado criador de trilhas sonoras do cinema – uma das mais famosas, a trilha do filme “A Pantera Cor de Rosa”.

Waltel Branco. Foto: Divulgação

De volta ao Brasil, Waltel compôs trilhas sonoras para novelas da Globo , como “Roque Santeiro” e “O Bem Amado” e foi arranjador de diversos artistas- como Roberto Carlos, Tim Maia e Alceu Valença. Para a bossa nova deixou também grande contribuição, com a composição de todos arranjos do “Chega de Saudades”, de João Gilberto.

Outro músico paranaense de destaque, que embalou a boemia curitibana das décadas de 60 e 70, foi o sambista Palminor Rodrigues Ferreira, conhecido como “Lápis”. O artista consagrou o samba nessas terras frias e teve intensa participação na cena musical e cultural do Estado.

 

Passeio pela “Linha Preta”


Mesmo com a população predominante branca, a herança cultural negra também é significativa no sul do país. Em Curitiba, basta um passeio pelo Centro histórico para se deparar com símbolos e feitos da população afrodescendente.  A Igreja da Nossa Senhora do Rosário é um dos principais ícones da presença negra por aqui, construída e fundada por uma irmandade negra, em 1737.

Igreja do Rosário

A Sede da Sociedade Beneficente Treze de Maio foi fundada em 1889, ano seguinte da Abolição da Escravatura, e é a mais antiga e tradicional instituição de cultura negra do Paraná. Inicialmente, deu suporte a escravos libertos pela Lei Áurea. Hoje, funciona como clube social e centro de cultura africana.

Mais de dez pontos turísticos  foram listados e denominados “Linha Preta,  por um grupo de pesquisadores negros, para que quem deseja conhecer mais sobre a presença negra em Curitiba. O trajeto inclui entre outros pontos, o pelourinho da praça Tiradentes e o antigo Largo da Fonte, na Praça Zacarias, construído em homenagem ao mulato Zacarias de Góes e Vasconcellos – primeiro presidente da província do Paraná (1853-1855).

A praça também preserva outro elemento importante, um antigo chafariz que faz alusão ao primeiro sistema de água encanada de Curitiba. Esse sistema foi projetado pelo engenheiro Antonio Rebouças, em 1871.  A linha férrea que atravessa a cidade também lembra a importância dos irmão Rebouças, engenheiros negros responsáveis pelo ousado projeto da ferrovia Curitiba – Paranaguá.

 

Por mais consciência e pela não discriminação

O legado cultural dos negros para o Brasil é inegável, porém a discriminação racial ainda é motivo de preocupação no país. Diversos artistas brasileiros são conhecidos pela luta em defesa da igualdade racial e pelo fim do preconceito. A atriz, Thaís Araujo, em agosto deste ano fez um emocionante relato sobre os preconceitos ainda sofridos pela população negra, no evento sobre educação Tedx São Paulo.

“Meu filho é um menino negro e liberdade não é um direito do qual ele poderá usufruir. Ao andar na rua descalço, sujo, saindo da aula de futebol, ele corre o risco de ser apontado como infrator, mesmo com seis anos de idade… a cor do meu filho é a cor que faz com que as pessoas mudem de calçada, escondam suas bolsas e blindem seus carros”, relatou a atriz.

Visando a reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira, o Dia da Consciência Negra foi criado em 2003, e oficialmente instituído em 2011, sendo feriado em cerca de mil cidades do país. A data foi escolhida em referência ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.

Nesta segunda-feira, uma postagem a atriz Leandra Leal em uma rede social ganhou grande repercussão. Mãe de uma menina negra, Leandra fala sobre o racismo e como esta dor ainda não é bem compreendida e percebida pela população:

“Eu nunca vou poder de fato compartilhar o sentimento da minha filha ao sofrer preconceito. Eu vou me indignar junto, vou consolar, vou lutar junto, vou fazer de tudo para que ela tenha autoestima forte, mas essa experiência vai ser só dela (…)não precisamos ficar provando com discursos que nós não somos racistas, quando na verdade precisamos ouvir quem passa por isso e reconhecer que o buraco é muito mais embaixo. Reconhecer que somos, sim, resultado de um processo histórico onde alguns foram privilegiados e muitos, excluídos. Hoje pode ser um dia para nós, como sociedade, buscarmos a compreensão da nossa realidade: uma sociedade que é diversa, plural, desigual e racista”